Ao Mestre Com Carinho


            Lembro-me da primeira vez em que conheci o Bandeira. Fui levado ao ateliê dele por uma amiga, para ver se existia para mim, um buraquinho em uma de suas turmas.  Isso deve fazer uns dois anos e eu não conhecia direito o trabalho do Bandeira, só ouvia falar de como ele era genial. Obviamente não tinha nenhuma vaga para mim, eu deveria esperar o telefonema do mestre se por acaso, um dia, alguém deixasse uma vaga ociosa.
            Dizem que as pessoas mais velhas costumam ter um olhar gentil, calmo, tranquilo. Não vi isso no Bandeira e até hoje não vejo. Eu via sede em seus olhos, agitação, algo fervia nele; não vejo isso em mais ninguém. Era como se ele estivesse animado em ver um aluno novo, louco de vontade de passar tudo que ele sabia. Bandeira está sempre com suas turmas lotadas, e por mais que pensem que por isso ele deve estar cansado, ele mantém essa mesma animação no olhar quando vê alguém novo.
            Bandeira é um professor-pintor que não ensina apenas o seu oficio, mas como se apaixonar pelo mesmo. Talvez por ser uma pessoa muito racional não consiga ver a emoção que passa pros seus alunos. Não é a toa que ele diz que o desenho acontece no olhar; e é o olhar dele que nos motiva a continuar desenhando.
            Por vezes engraçado e até mesmo muito crítico me divirto com seus comentários anti-arte-contemporânea-comercial(izada)-conceitual-demais. Ele mantém seu corpo e seu espaço em uma outra época; não uma do passado, do presente ou do futuro, apenas outra. Alguns já tentaram entender esse espaço comparando seu atelier com o filme Meia Noite em Paris, de tão anacrônicas que as pessoas se sentem ali.
            Bandeira sustenta um método antigo de fazer arte, quase morto. Por isso que o enxergamos esse fazer arte como uma relíquia. Não sei se mesmo admirando eu concorde com tudo que ele diz (acho até que ele não gostaria disso), mas com o Bandeira é muito gostoso discordar, chega a ser divertido. Acho que ele se reconhece como mestre, mas não se preocupa se o seguem ou iniciam uma corrida para supera-lo, ele se mostra apenas disponível e atento.
            Já não vejo mais o Bandeira como um professor, mas como um guia. Com ele, não me preocupo mais com erros e acertos. Pode ser ilusão minha vê-lo como algo eterno, mas eu sinto toda vez que ponho o grafite no papel, que assim que eu errar, ele vai estar bem do lado dizendo: “Você precisa aprender a ver, Camilo...aprender a ver...”

Somos Todos João Gostoso

“João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barraco sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.” (In: Libertinagem, de Manuel Bandeira)

            Todo poeta seria, no fundo, mentiroso? Ontem, enquanto bebia café e tentava me aquecer, li as notícias do caderno do dia e lembrei que os jornalistas não mentem. Pois, por definição, à prosa cabe o fato e à poesia cabe o sentimento. Então, senti-me sujo e profano - prometendo para mim mesmo, em nome dele, nunca mais sequer pensar em versos.
            Não consegui. Poucos segundos depois de jurar - deixando claro que acho este o mais peculiar dos atos humanos -, vi um garoto a chorar desesperadamente, sem nenhum motivo aparente. Entrei em um êxtase metafísico; senti-me arrebatado pelas lágrimas do guri e precisei escrever. Era preciso dar vazão àquele grito oprimido que eu nem sabia o porquê, mas no fundo, também tornara-se meu.
            Lembrei que havia prometido. E eu, como homem, como ser, ainda que jogado à derrelição, era teu filho e a ti devia respeito. Mas, estava possuído. Era como se eu tivesse nascido para cometer este pecado. E desatei-me em versos. Mas, no fundo, não sabia ao certo o quê escrever. Era preciso motivos, dados, fatos, circunstâncias, horas exatas e a bendita verosimilhança que eu nunca compreendera. Foge de mim, vades retro, como escrever de maneira lógica se, a própria vida, em si, não tem lógica, não faz sentido? Há certas coisas que acontecem e não fazem sentido, e é disso que verdadeiramente a poesia trata.
            E descobri que era esse o meu ofício, o de mentir. Dar sentido, tornar palpável e material, digerível e aparentemente interessante o que no fundo é incompreensível e cotidiano. E que se fossemos ofertar uma vaga de emprego para poeta, a maior qualidade, aquela que diferenciaria todos os candidatos, seria a vileza. É necessário ser vil. E não me refiro à vileza, aqui, como aquele que nos faz mal. Digo vileza como sinônimo de oportunismo. Faz-se necessário olhar a vida com olhos de fome: como se tudo fosse matéria para uma boa poesia.
            Logo, se pensarmos assim,  somos todos poetas, porque todos nós mentimos (até mesmo os jornalistas) sobre os mais diversos temas, beirando muitas vezes a nossa própria condição humana - que é tão questionável quanto a poesia. Somos todos “João Gostoso” e somos todos Manuel Bandeira. À medida que construímos nosso ser, enquanto agentes (em atos, palavras, situações), damos margem ao fazer poético e à medida que existimos, podemos dar forma a tudo isso. E é por isso que a experiência da poesia, seja como autor ou leitor, é tão única e diversa, assim como o fato de existir, seja agindo de fato ou apenas observando o mundo ao redor.
            Por isso que eu digo: é para se ter cuidado com essas pessoas que nos fazem crer no amor, na dor e em todos esses lugares comuns à poesia. É tudo uma mentira tão deliciosa, como aquelas que nos contam nos jornais...

O Zaire De Ambroise Ngaimoko.


“Ancorados na filosofia de uma era pré-digital, em que a fotografia era muito mais um evento orquestrado e contido que um mero instantâneo, seus retratos pintam a diversidade de personagens e manifestam a riqueza das relações humanas.”  (Guia da Bienal, p. 76)

            Certos retratos possuem o poder de desnudar o ser humano através de um contato direto, uma abordagem crua e um indivíduo preparado para se mostrar. Claro que o fotografo é o responsável por dar um tratamento adequado para a imagem, escolher o melhor enquadramento, tentar organizar e dosar os fatores que vão compor o todo e dirigir a ação, entretanto, quem está sendo fotografado também precisa estar preparado. Precisa querer transbordar, mesmo sabendo que uma lente observa.
            Acho que a foto logo acima traz uma das minhas imagens prediletas; gosto da senhora que nos encara e nos leva para a cena e da mais nova que ao contrário do olhar calmo da outra, nos dá uma inquietude, como se tivesse sido fotografada sem ter decido que pose fazer. Facilmente somos induzidos a vislumbrar a vida das duas e somos provocados a querer decifrá-las. Acabo até mesmo fascinada com o passar do tempo, com o peso das gerações. Ambroise Ngaimoko tirou retratos desses aos montes, por isso essa minha vontade repentina de escrever mais uma vez sobre ele e sobre essas figuras que nos enchem de vontade de estar ali na cena, só para perguntar como é a vida daquela pessoa diante de nós.
            A partir de agora, sigo com um texto pensado a três cabeças (obrigada Bia, obrigada JP) com a ajuda do catalogo da trigésima Bienal de São Paulo e que agora recorro a ele – o texto, no caso –, para escrever esse novo aqui. Lembro de Ngaimoko ter me intrigado bastante, vindo a lembrar dele folheado o tal catálogo, em um desses dias em busca por alguma inspiração. Ngaimoko é um fotografo angolano responsável por retratar toda uma sociedade do início dos anos 70 até o final dos anos 90, montando uma história através dos personagens que viviam em Kitambo, local no qual, ele estabeleceu o seu estúdio de fotografia: o Studio 3Z. Ah, e um detalhe único do estúdio, foi o emprego de uma técnica inédita, em que dois retratos eram revelados na mesma folha usando duas vezes o mesmo negativo.
            Sua vida profissional foi toda calcada na República Democrática do Congo, país onde desembarcou aos 12 anos, acompanhado de sua mãe e irmãs, como refugiado da guerra da independência angolana, que chegou ao fim apenas em 1974. Trabalhou como mecânico, projecionista de cinema e por conta de um tio, proprietário de dois estúdios fotográficos, acabou parando no ramo da fotografia.
            O estúdio até 1997 manteve o nome de 3Z, simbolizando os três Zaires principais da vida dos que ali viviam, ou seja, o país, a moeda e o rio. Porém, em 1997 juntamente com a mudança do nome, o país de volta para República Democrática do Congo, passando a se chamar 3C ou 3Congos. A mudança de nomes foi necessária para os que viveram sob a ditadura de Mobutu, pois os Zs remetiam a uma lembrança dolorosa.
            O estúdio foi o responsável pela representação do percurso afetivo de indivíduos de uma África marcada por guerras, regime ditatorial e constantes disputas territoriais. Inclusive, pode-se reforçar isso dizendo que o legado deixado pelo Studio 3Z é um rico acervo para compreensão da cultura não só do Kitambo, mas do país como um todo, através dessa parcela humana exibida nos retratos milimetricamente construídos por Ngaimoko ao ser ajudado pela honestidade dos que se colocaram diante dele. Essas imagens de Ngaimoko merecem atenção não apenas pelo seu peso documental ou por juntamente com seu estúdio ter construído uma história africana, mas pela beleza e a potência artística contida nelas. Lembrando também que sua técnica as levou ao status de vanguarda, portanto Ngaimoko – mesmo anos depois e em uma era digital –, merece uma pausa. 

Parem Com o Slut-Shaming

 

            Com toda a polêmica girando ao redor da Miley Cyrus e seu chamado surto, tem ocorrido discussões sérias sobre a quantidade de celebridades que já tiveram algum tipo de reação similar, como Lindsay Lohan ou Britney Spears. Ou até mesmo Marilyn Monroe.
            A exposição midiática pode ser uma arma letal ou uma utilidade, se você souber lidar com todos os custos. As "crianças Disney" sofrem uma exposição precoce ao mundo de Hollywood e, como alguns exemplos mostram, tem consequências drásticas. É difícil lidar. Miley foi Hannah Montana por tanto tempo que talvez essa fosse a forma mais sincera dela se afastar daquilo que já foi. Ou fosse uma reação tardia ao que a mídia faz com seus "brinquedos", ou qualquer outro motivo que ela tenha.
            A grande questão que incomoda é a falta de senso das pessoas em falar disso. A menina não é mais a Hannah Montana. Na verdade, ela nunca foi. A obrigação que ela tem para com seus fãs adolescentes é nula, criada por pais revoltados com a visão que tinham de uma pessoa que nem conhecem sendo modelo de seus filhos. O que a mulher Miley Cyrus faz com a vida dela é problema dela, não de uma filha de alguém que ficará traumatizada com o clipe novo que saiu.
            Não importando se ela está exagerando, saindo do controle ou se perdendo no caminho da exposição extrema, a vida é dela e ela tem direito a escolher o que quiser. Ela, assim como milhares de mulheres que nunca decidiram ser exemplo de nada para ninguém, tem o direito de lamber um martelo em um videoclipe, se assim quiserem.

da Caravggio



            Ele matou pelo menos cinco pessoas, sendo que uma delas, matou duas ou três vezes. Caravaggio nasceu na Itália em 1571, no Ducado de Milão. Seu nascimento se deu sete anos após a morte de outro artista do qual ele recebeu o mesmo nome: Michelangelo.
            Nos diversos registros existentes é possível encontrar essa faceta assassina de Caravaggio. Talvez vocês só encontrem um único assassinato cometido por ele, mas eu gostaria de falar dos outros que não aparecem, e provar que esse artista genial se deliciava com decapitações.
            Michelangelo Merisi da Caravaggio, além de matar Ranuccio Tomassoni, decapitou pelo menos duas vezes o gigante Golias, uma vez Holofernes, uma vez a famosa Medusa e também São João Batista. É interessante olharmos para essa série de decapitações em especial, para tentar entender essa relação de agonia e prazer entre Caravaggio e a morte. Uma relação que ao mesmo tempo em que visava purgar os pecados do artista, que era usada para assumir seus crimes; também foi a relação que afirmou um espírito assassino e a predileção do mesmo pelo horror.
            Talvez Caravaggio estivesse usando essa sua atração pela morte e pela violência, como um meio de evidenciar essa mesma atração no coração de todo ser humano. Quando olhamos Judite e Holofernes, de 1599, é importante fazer uma pergunta: O que me incomoda mais: o fato de um homem ter a cabeça cortada na minha frente, ou o sangue dele acabar espirrando em mim acidentalmente? Eu não consigo responder essa pergunta, mas tenho certeza de que Judite está cortando a cabeça de Holofernes com todo o cuidado possível para que não caia sangue algum em sua pele. A bela Judite tem nojo e prazer ao cortar a cabeça do condenado. Percebe-se essa mistura de sentimentos quando paramos de observar sua expressão de nojo, para olhar logo abaixo, seus mamilos duros, marcando sua blusa. A velha assistente de Judite pode estar um pouco nervosa, mas a jovem moça está bem tranquila realizando seu desejo.
            Quando eu digo que Caravaggio matou todas essas personagens que estão representadas em seus quadros, eu quero tentar desmistificar essa ideia de que Caravaggio pintava incrivelmente bem, fazendo com que a luz e a sombra criassem um cenário teatral. É óbvio que ele pintava muito bem, mas acho que ele não se preocupava com a teatralização da imagem, mas com a tentativa de torna-la tão real ao ponto de sentir que era ele o carrasco.
            Quando o estudioso Simon Schama nos apresenta um artista que mata a Morte, como no quadro Cabeça de Medusa de 1598, podemos adentrar um pouco mais esse pensamento circular que é a mente de Caravaggio. Porque por mais confuso que pareça, o raciocínio desse artista é bem estruturado e até mesmo irônico. Pois quem, se não ele, para matar aquela que a todos matava? Antes que o chamem de arrogante por decidir o fim da própria Morte, Caravaggio nos mostrou a eternidade da mesma, declarando um detalhe simples: mesmo morta, a Medusa, com seu olhar, continuará matando. Talvez seja através dessa compreensão do ofício da Morte que ele, no ano seguinte, pinta Judite e Holofernes.
            Em 1605/6 ele pinta Davi com a Cabeça de Golias, um quadro misterioso onde ele mesmo se decapita. Caravaggio é a cabeça do gigante cruel nesse quadro. Anos após se declarar assassino pelos braços de Judite. Será que ele aceita as acusações? Aquelas acusações de que ele é realmente um homicida cruel e louco. Não é a toa que esse quadro é pintado na mesma época em que ele mata Ranuccio em uma das suas “diversões” com sua turma.
            Simon Schama vê essa decapitação de Golias como o maior pedido de desculpas feito por Caravaggio. Isso porque o quadro chega às mãos de Scipione Borghese após a morte do artista. Essa obra deveria ter chegado antes da morte de Caravaggio, já que fazia parte de um acordo entre ele e o Cardeal Scipione Borghese que tinha como objetivo livrar o artista das acusações de ter matado Ranuccio. A cabeça de Caravaggio estava posta a prêmio. É por uma brincadeira do destino que a cabeça dele, chega às mãos do cardeal depois de sua morte. Ele não só pede perdão, como se entrega, mostra-se frágil e destruído na imagem de Golias.
            Eu penso um pouco diferente quanto essa necessidade de pedir perdão de Caravaggio. Não creio que alguém como ele tenha se preocupado tanto com essas desculpas. Acho que ele procurava o próprio perdão, algo que viesse de dentro do Deus dele. Não é a toa que durante sua curta passagem pela ordem de São João, ele pinta A Decapitação de São João Batista. Um quadro grandioso e diferente de todas as outras decapitações feitas por ele. A maior cena de suspense da história. João Batista está deitado morto no chão, sua cabeça ainda junto ao corpo, esguicha sangue enquanto espera o carrasco retira-la para por na bandeja de prata de Salomé.
            Dessa vez, ninguém parece nervoso, impassível ou em êxtase. As pessoas estão tristes, confusas e tentam cumprir as ordens à risca para não ter que pensar muito. Acho que Caravaggio também ficou confuso, talvez ele tenha se sentido pela primeira vez, desconfortável com a morte, menos íntimo dela. Com dúvida e culpa, ele assina seu nome no sangue do santo, pede o perdão de Batista, de Deus, dele mesmo. Tenta se limpar com o mesmo sangue que tanto usou.
            Evidenciar o horror nas obras de Caravaggio é uma tarefa simples que qualquer um faz ao olhar para seus quadros que tratam desse assunto. Difícil é entender onde começou, e se um dia terminou essa estreita relação que ele tinha com a Morte e seus comparsas. 

Sobre ser jovem, inseguro e ainda achar que pode escrever.


            Sobre escrever nem sei tanto, agora sobre reescrever, nossa, que luta. É foda. As ideias começam em um bloquinho maltratado que uso nas aulas ou em um dos três caderninhos que tenho espalhados em cantos estratégicos da minha rotina: um moleskine com uma gravura em estilo
ukiyo-e impressa na capa que deixo no bolso lateral da minha bolsa maior, um bloquinho médio com um poster de “Le Notti di Cabiria” impresso na capa e que fica em cima dos meus DVDs localizados aqui na escrivaninha aonde geralmente escrevo, penso e como, e um terceiro de origem mais pomposa porque foi um presente que um amigo trouxe de Paris com uma gravura do Léonce Burret na capa, por ser menor e no estilo bloco, até me sinto uma jornalista pelo modo rápido que copio o que escuto nele, enquanto ele fica perfeitamente alojado na minha mão. Fora os papéis velhos que uso como rascunho, os caderninhos antigos que dou uma verificada/modificada e os documentos de bloco de notas que salvo com títulos sem pé nem cabeça na minha área de trabalho, são palavras pra tudo quanto é lado e no meio delas, em total desespero, lá estou eu, tentando juntar as ideias que resolveram surgir aos  fragmentos, algumas enquanto eu estava me revirando na cama, outras com a ajuda de algum amigo ou professor durante alguma aula, tête-à-tête de boteco, correria nos transportes públicos, nas imagens ao longo do caminho de casa até o Jardim Botânico.
            Esses dias mesmo, fiquei completamente inspirada quando uma professora afirmou, – com todo aquele gingado que parece vir de brinde com o doutorado – que não existe uma metodologia correta, o que existem são autores que você usa como apoio pra enfrentar os problemas que aparecem. Isso após ela falar de uns três nomes diferentes que abordaram brilhantemente uma mesma questão, enquanto sorria, ela dizia, pra verificarmos incansavelmente, desconfiarmos dos outros e principalmente, do que sai do nosso próprio punho. Senso crítico é como bom senso, faz bem e te deixa bonito na foto.
            Por mais que tenhamos ponderado muito um viés de pensamento ou outro e mesmo o tendo buscado em fontes maravilhosas, precisamos ser críticos em relação a esses nomes muitas vezes imersos em respeito, por um currículo Lattes bem recheado. Precisamos lutar contra o nosso ego de aluno de humanas, ego que nos faz cair na armadilha de achar os comentários alheios infundados ao irem contra os nossos, porque afinal de contas, “somos muito bons no que estamos fazendo”. Ai que geralmente caio. Digo, ao mesmo tempo que necessito de um pouco de convicção no que faço, também preciso de aceitação, mas até aonde essa aceitação é boa para o meu senso crítico? Será que eu percorro o caminho correto ao aceitar tudo que escuto – se é que há um caminho para ser seguido –?

O Grito No Silêncio



            Aos 12 anos assisti, por acaso, um filme sobre um rapaz chamado Matthew Shepard, cuja história foi tão traumática que até hoje não a esqueci. Matthew tinha a idade que tenho hoje, era universitário e inteligente. Um rapaz extremamente comum para sua pequena cidade, se não fosse gay.  O filme começa após a internação em estado grave no hospital local e seus agressores presos. O primeiro choque foi o motivo. Testemunhas declararam que o rapaz em nada importunou os agressores, que retrucaram que ele se insinuara para ambos.
            O rapaz morreu depois de quatro dias internado, com a população dividida entre a barbárie e a revolta. Seus assassinos foram a julgamento, sendo salvos da cadeira elétrica pelos pais do assassinado. Essa cena se repete em tantos lugares que não há palavras que descrevam o horror que a realidade causa.
O Brasil mente em dizer que aceita todos. Aqui, por mais que a mentalidade não seja tão assustadoramente assassina como é em Uganda ou em estados retrógrados dos Estados Unidos, situações de constrangimento, agressão verbal e física as pessoas são frequentes. O motivo: falta de costume. Incômodo pelo diferente. Ignorância.
A solução encontrada pelos ativistas que decidiram colocar a cara à tapas é de simplesmente fazê-los se acostumarem. Um ato poético como um beijaço ou uma intervenção urbana que trouxesse os olhos do espectador para a visão do lutador. A Parada Gay foi o auge da conquista, mas hoje é vista apenas como um carnaval pesado. Não tem feito mais efeito para conscientização.
O medo que tive aos 12 anos ainda existe, assim como as pessoas que causaram esse medo. Mas se o silêncio se mantiver como resposta, nunca existirá o som da mudança.